Para desespero dos que acreditam que a economia monetária é uma ciência da qual são únicos portadores, ela está cada vez mais de pernas para o ar. Diante das dificuldades de colocar em marcha normal as suas economias, os bancos centrais em diversas partes do globo começam a prevaricar. Namoram medidas estranhas. Perdem, a pouco e pouco, a vergonha de reconhecer que não sabem bem o que fazer. O regime “puro” de metas inflacionárias que só existe no mundo platônico dos livros textos, mas serve para recomendar políticas universais vai assumindo cada vez mais o que ele sempre foi: uma caricatura!
Nunca houve (nem poderia haver) um banco central que ignorasse o nível de atividade, o nível de emprego e os movimentos dos ativos financeiros, em particular a taxa de câmbio. Todos tiveram implícita ou explicitamente, muitos mandatos. Puderam ignorá-los no tempo da “grande moderação”, porque “as coisas caminhavam bem”. Sem entender o que se passava, a atribuíam às “virtudes de suas próprias políticas monetárias” e nós acreditávamos…
As últimas semanas revelam uma perspectiva de mudança na administração da política monetária pelo Federal Reserve dos EUA, do Bank of England, e do Banco Central do Japão, estimulada pela conferência monetária em Jackson Hole. Nela o economista Michael Woodford, considerado por alguns o mais sofisticado “economista monetário do mundo” insistiu que os bancos centrais têm de usar sua credibilidade sobre as expectativas inflacionárias quando a taxa de juro nominal está próxima de zero, e flertou com uma política de meta para o PIB nominal. Isso parece estar por trás da nova política do Fed que prometeu comprar “ad libitum”, US$ 85 bilhões de papéis (de todas as naturezas) por mês, até que uma de duas coisas aconteça:
1º) a taxa de inflação supere 2,5%; ou
2º) a taxa de desemprego caia a 6,5%, o que tem sido chamado de regra (2,5; 6,5).
BCs namoram medidas estranhas, não sabem o que fazer
Obviamente a nova política causou alguma ansiedade, particularmente nos mercados financeiros. Esses logo concluíram que Bernanke estava abandonando o sacrossanto dogma de inflação à taxa de 2% ao ano. Quem quiser mais informações deve ler a interessante palestra de Charles Evans, “Monetary Policy in Challenging Times”, feita em Toronto no dia 27 de novembro. Bernanke afirmou que a mudança não significa que a política monetária foi transferida para o piloto-automático: foi programada para dar aos mercados e ao público em geral a informação de como o Fed está pensando e dar-lhes a oportunidade de ajustarem as suas expectativas.
É importante notar que Bernanke foi muito claro. O Fed, mesmo com as novas políticas, não tem condições de sustentar um razoável crescimento do PIB e do emprego, se o Congresso americano não chegar a um acordo capaz de superar o “abismo fiscal” implícito no vencimento das políticas pontuais tomadas no governo Bush. Isso impõe séria responsabilidade ao Partido Republicano que até agora se diverte com Obama caminhando na beira do tal abismo.
Mas as novidades não terminam por aí. O futuro presidente do Bank of England, o canadense Mark Carney, escolhido numa seleção pública universal, acaba de pregar um susto no primeiro ministro Cameron. Carney vai assumir o lugar em 1º de julho de 2013 em substituição a Mervyn King, quando deixará a presidência do Banco Central do Canadá. Nos seus recentes discursos tem revelado suas preocupações com o regime de metas inflacionárias e dito que é preciso pensar em “políticas monetárias não convencionais”, o que está longe do pensamento de King. Ele também parece estar namorando uma política de metas para o PIB nominal. Cameron apressou-se a esclarecer que na Inglaterra qualquer mudança de política monetária (mesmo as de caráter estritamente técnica como seria uma eventual substituição das metas inflacionárias para metas de PIB nominal), deve ser aprovada pelo Parlamento, o que mostra o limite político que restringe a “independência” para administrar a busca dos objetivos politicamente fixados.
O que há de importante na Inglaterra é uma fadiga com a política monetária conservadora e o esforço fiscal aos quais a economia tem respondido muito mal. Alistair Darling, um chanceler do governo trabalhista, explicitou o cansaço: “As metas inflacionárias faziam sentido há 20 anos quando a inflação era nosso principal problema, mas agora todas as nações do mundo estão preocupadas com o crescimento. Não defendo o abandono da política de metas, porque a inflação pode voltar qualquer dia. Mas no futuro previsível nossa prioridade é crescer.” E completou para espanto geral: “Creio que Mark Carney explicitou que os bancos centrais de todo o mundo devem ter o crescimento como sua prioridade.”
Mas as surpresas não terminam. Vencedor na campanha eleitoral pelo Partido Liberal japonês, o ex-primeiro ministro Shinzo Abe (líder do partido), tem demonstrado o maior desconforto com o conservadorismo do Banco Central (o CBJ) e tem sugerido um sistema de “metas inflacionárias”, obviamente para aumentar a taxa de inflação, desvalorizar o iene e recuperar a indústria japonesa que foi transferida para o exterior, particularmente para a China.
O mundo está mudando! Mas até agora ninguém ousou dizer que ele está jogando fora o religioso tripé objeto de adoração dogmática de alguns dos nossos mais brilhantes sacerdotes.
Fonte: Valor Econômico, de 18/12/2012.