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Ajuste Fiscal ou Caos

by Roberto Cirino
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Econ. Gilmar Mendes Lourenço

Desde o lançamento do real, em julho de 1994, as três instâncias de governo (união, estados e municípios) vem demonstrando absoluta incapacidade de adequação ao declínio estrutural do imposto inflacionário que, durante a desorganização econômica da década de 1980 e o começo dos anos 1990, assegurava-lhes a obtenção do equilíbrio orçamentário via indexação de receitas e postergação das despesas nominais, não corrigidas monetariamente.

A ausência de interesse na aplicação dos princípios mais elementares de gestão financeira, característico da microeconomia, ensejou a multiplicação dos dispêndios públicos correntes, em maior velocidade do que a também acentuada evolução do fardo de impostos, resultando na impulsão do desequilíbrio das finanças oficiais e na subsequente necessidade de seu financiamento, a juros cada vez mais elevados, no mercado, catapultando as alocações de recursos na rubrica financeira dos orçamentos e, por extensão, a dívida pública.

O incremento real (com desconto da inflação) dos gastos públicos, de mais de 6% ao ano, em dois decênios, fez a participação das três esferas governamentais na utilização final, ou demanda agregada, acompanhada pelas contas nacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), saltar de menos de 15%, no princípio dos anos 1990, para mais de 20%, nos tempos atuais.

Enquanto isso, a carga tributária subiu de 25% do PIB para 33% do PIB, em idêntico intervalo, sendo a vigésima quinta maior do planeta e uma das mais robustas entre as nações de renda média, contra estimativa de capacidade de suporte dos agentes econômicos (famílias e empresas), próxima de 24% do PIB, e, o que é pior, fortemente determinada por itens indiretos e regressivos que servem para agravar o quadro desigual da pirâmide social brasileira.

De acordo com cálculos do Banco Mundial, o Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking mundial de consumo de homens-hora, por ano, para a cobertura do pagamento de tributos por uma organização empresarial. São 2.600 homens-hora, para essa finalidade, mais que o dobro da Bolívia, que figura no segundo posto, e quinze vezes superior à média registrada pelas nações integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Nesse sentido, a proposta de instituição de um teto para os gastos da união, limitado à curva de inflação, apresentada pela administração interina de Michel Temer, solitário elemento do propalado ajuste fiscal em execução, revela-se extremamente importante para estancar, em médio prazo, a natureza inercial do incremento da transferência de renda dos segmentos produtivos do sistema econômico para as áreas menos eficientes impregnadas no estado.

Em outras palavras, a reversão do comportamento pretérito, marcado pela formação de uma linha permanente de expansão dos gastos públicos abaixo do PIB, revela-se condição essencial para a restauração dos superávits primários das contas públicas e da sustentabilidade fiscal, por meio da regressão e estabilização da relação passivo público/PIB.

Por certo, o êxito de uma empreitada de tal envergadura requer a aprovação de outras peças de reformas do arcabouço institucional da nação, especialmente previdenciário, trabalhista e tributário, além de respostas da arrecadação ao desmanche do circuito recessivo, da queda estrutural dos juros e da retomada das privatizações e concessões.

É fácil perceber que trata-se de tarefa que, por sua magnitude e complexidade, exige rigorosas apreciações técnicas e árduas negociações políticas, demandando tempo de maturação que extrapola um mandato presidencial.Nessa perspectiva, a Temer está reservado o espaço e papel de restabelecimento dos instrumentos e mecanismos que ensejariam o resgate da estabilidade fiscal, principal alicerce da renovação das forças do crescimento econômico.

A argumentação acerca da existência de barreiras políticas quase intransponíveis para a concretização desse trabalho, principalmente por um governo de tiro curto, é derrubada pela experiência histórica recente quando, especificamente, em 1993 e 1994, o presidente Itamar Franco logrou êxito na viabilização das bases do ajustamento deflacionário,com o lançamento do programa de ação imediata (PAI) ea instituição do imposto provisório sobre movimentações financeiras (IPMF), do Fundo Social de Emergência (FSE) e da Unidade Real de Valor (URV).

Ademais, é conveniente lembrar que o esforço fiscal a ser capitaneado por Temer, desprovido da possibilidade de majoração da cunha tributária, aconteceria com onze anos de retardo, pois, em 2005, a então ministra chefe da casa civil da presidência da república, Dilma Rousseff, simplesmente torpedeou a sugestão de ajuste fiscal de longo prazo, preparada pela equipe do titular da fazenda, Antônio Palocci.

Na ocasião, saldos fiscais primários de quase 4% do PIB levaram inclusive o FMI a dispensar o Brasil da celebração formal de protocolos de intenções ou metas anuais para as variáveis de estabilização macroeconômica, com aquela entidade multilateral, abrindo caminho para a conquista do grau de investimento da dívida soberana, conferido pelas principais agências globais de rating, em 2008.

Logo, não constitui obra do acaso o fato de Dilma ter destruído os pilares da estabilidade orçamentária, construído em fins do decênio de 1990 e consolidado com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em 2000. A presidente afastada assumiu os destinos políticos do País com desnível nominal das contas públicas de -2,6% do PIB e entregou, a seu substituto, com rombo de -10% do PIB. Na contabilidade primária, o superávit de 2,8% do PIB deu lugar a um déficit de 2,5% do PIB.

Gilmar Mendes Lourenço, Economista, Consultor, Professor da FAE Business School, Ex-Presidente do IPARDES.

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